Se eu tivesse inimigos, juro que não desejaria ao pior deles que estivesse na situação em que eu me encontro neste momento. Após ser pisoteado pelo Alceu na sala do Edvaldo por causa do maldito “braço da roda da enleiradeira DMB”, que o Jaime acabou dando entrada no estoque no código do “cubo da roda da enleiradeira DMB”, eu passei a odiar a tal enleiradeira e qualquer outro implemento que essa tal de DMB possa vir a fabricar. Eu me encontro em pânico neste momento. Olho para a prateleira, onde se encontra a maldita peça. Lembro-me que ela devia ter sido devolvida há uma semana, conforme o Alceu exigiu, e juro que tenho vontade de chorar... Ao adentrar no recebimento, o João (a quem apelidamos de Joãozinho ou “João três quartos”, por causa do tamanho dele...) me vê sentado na cadeira, desconsolado, e logo se aproxima para ver o que está acontecendo. Com a mão no meu ombro, ele diz: “Jeromão, o que é que está acontecendo? Vai, se abre pro seu amigo aqui”. Ao notar que está fazendo mais uma de suas brincadeiras, eu sorrio educadamente ao invés de mandá-lo para um lugar bem longe. Estou em uma situação delicadíssima e ele ainda vem fazer uma brincadeira dessas comigo... Mesmo assim, eu insisto no diálogo. “João, lembra daquela peça que o Alceu pediu pra devolver semana passada?”. “Sim, eu lembro. Ela já foi devolvida, não foi?”, responde ele com outra pergunta. “Eu olho fixo pra ele, com cara de desânimo. “Não, ainda não”. Imediatamente ele manda as duas mãos à cabeça, em sinal de desespero. “Jeromão do céu! Cê tá ficando doido, hômi?”, diz ele com o sotaque caipira que em tantas outras ocasiões tanto me fez sorrir. Desta vez, incapaz de sorrir diante de tão tensa situação, eu tento manter o diálogo. “João, o que é que eu faço? Pra fazer a devolução eu preciso que o Alceu assine uma CI para a balança. Se o Alceu me vir na sala dele com uma CI que deveria ter sido expedida uma semana atrás, eu estou na rua!”. Ao ouvir isso, o João endurece a expressão e, finalmente, assume um tom de discurso mais sério. “Tonhão, o negócio é o seguinte: a gente tem que assumir os erros da gente. O que aconteceu foi uma falha de sua parte, e assim como você assumiu a falha de ter recebido a maldita peça, precisa assumir também mais esta falha. Isso pode acontecer com todo mundo.” E colocando novamente a mão sobre meu ombro, diz: “Vai lá, mostra a CI para o Alceu e pede a assinatura dele. Se ele questionar, você explica de novo, e pronto. Pelo menos o Alceu verá que você está assumindo sua falha”. Aquelas palavras conseguem me acalmar e me trazem fôlego para mais uma última investida, que pode ser a minha última como funcionário do almoxarifado... Peço então ajuda ao Jaime, que a esta altura pede desculpas por ter esquecido de digitar a CI na quinta-feira e a imprime rapidamente. Assim que a CI termina de ser imprimida, anexo uma cópia da 2a via da nota e parto em direção ao Setor de Planejamento e Custos, onde fica a sala do Alceu. Quando fecho a porta da sala do Edvaldo e me aproximo da sala do Valdir e da Gislene, que também pertencem ao mesmo setor do Alceu, olho para o estoque. De lá, olhando pelo vidro encontram-se todos os colegas de almoxarifado. Penso então em duas possibilidades: ou estão torcendo por mim ou estão me comparando a alguém que caminha pelo corredor da morte. De fato, estes minutos estão sendo muito tensos... Ao dobrar à esquerda, passo em frente ao Departamento Pessoal, onde vejo dezenas de pessoas fazendo testes de admissão. A seleção é uma verdadeira peneira e a concorrência é grande. Só então me dou conta de como foi difícil ingressar aqui na usina. Em meio à crise de emprego que o país atravessa, e precisando ganhar dinheiro para pagar a faculdade, posso dizer que sou privilegiado estar empregado e de pertencer a um setor onde só há pessoas legais. A sala do Alceu é no final do corredor. Será que quando sair de lá ainda serei funcionário da usina?
(to be continued...)
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