domingo, 10 de fevereiro de 2008

À minha grande amiga - parte 1

Outubro de 1999. 8h. O elevador pára no 3º. andar do bloco M da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto. A porta se abre e o metal polido das portas do elevador é substituído por uma enorme parede cinzenta. Dou alguns passos para a esquerda e deixo o velho elevador para trás. À minha frente há um enorme corredor, pouco iluminado. De vez em quando algumas pessoas cruzam-no de um lado para outro. A expectativa que toma conta de mim pode ser comparada à de quem assiste a um filme de suspense (embora eu não tenha, inacreditavelmente, aos 24 anos, jamais entrado em um cinema...). Mas este não é um filme de suspense, e sim de aventura. É hoje, enfim, o dia em que iniciarei a parte experimental do mestrado, e pra falar a verdade, eu não tenho a mínima idéia de nada do que irei fazer nos próximos minutos. 8h20min. Estou na sala do professor João. Enquanto olho os diplomas pendurados pelas paredes e a quantidade enorme de projetos e artigos em cima de sua mesa, ele segue tentando explicar-me quais os procedimentos que deverei seguir para fracionar os extratos que estão sobre a mesa dele. Mas o cheiro de conhecimento daquele lugar deixa-me cego e surdo. Sinto-me um ignorante diante das coisas que ele está explicando, pois não entendo a maioria delas. Limito-me apenas a balançar a cabeça em sinal afirmativo. Ele então larga a caneta sobre a mesa, pega o papel amarelado e o estende até mim. Eu pego o papel nas mãos e tento, em vão, entender o que está escrito ali. Ele projeta seu corpo para trás e o deixa cair sobre o encosto da cadeira reclinável. “Alguma dúvida, Miller?” Claro que não. Pelo menos nenhuma que eu possa esclarecer neste momento. “Então ao trabalho”. Ele se levanta e me pede para segui-lo. 8h45min. Estou parado à porta do laboratório de Química Orgânica da USP. Ao meu lado, o professor João olha de um lado para o outro, com a caixa contendo os extratos em mão. “Venha até aqui, Miller”, diz ele, seguindo em direção a uma bancada. Ele me apresenta então o lugar onde provavelmente passarei minhas próximas noites, e talvez os meus próximos anos. Coloco sobre a bancada o papel contendo as informações que ele me passou e respiro fundo. Quando me viro em direção a ele e tento esboçar alguma reação – sim, eu estou em pânico! – sinto o peso de sua mão cair sobre o meu ombro. “Agora é contigo. Boa sorte!”. Ele se vira e retorna à sua sala. 8h55min. A situação é desesperadora. Preciso desenvolver o meu projeto de mestrado e não tenho a mínima idéia de como começar. Os esquemas que o professor João parecem-me um montem de códigos indecifráveis. Há também alguns palavrões, como “partição”, “decantação”, “cromatografia em camada delgada”. Não sei nem por onde começar. Olho ao redor. Há vários pós-graduandos trabalhando, todos vestindo seus jalecos brancos. São mulheres em sua maioria, e cada uma delas parece mergulhada em seus próprios problemas. Não tenho amizade com nenhuma delas, e pela forma como me ignoram, começo a acreditar que a parte experimental será um desafio tão difícil quanto cumprir os créditos em disciplinas. 9h15min. Após 20min tentando entender o que o professor João deixou registrado naquele papel, um profundo desânimo se abate sobre mim. Começo então a olhar para cada uma daqueles “colegas” – será que posso chamá-los assim? Todos parecem tensos, mergulhados em seus próprios problemas. Será que todos são arrogantes? Afinal, todos eles estão estudando na USP. “Ora, eu também estou!”, diz o meu lado otimista. “É, você está é encrencado!”, rebate o meu lado pessimista. Sento-me então em um pequeno tamborete, e com os dois ombros apoiados sobre a bancada, coloco as duas mãos no rosto, sem saber o que fazer. “Meu Deus, por favor, me ajude! Não sei o que fazer!”. Sinto então uma mão tocar meu ombro e uma voz feminina dizendo: “Você é o Miller, não é?”
(to be continued...)

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