1986. Tenho 10 anos. Sou um menino que não gosta de ver brigas nem tampouco participar delas. Até hoje eu nunca briguei com ninguém e, pra falar a verdade, eu não tenho a mínima vontade. Acho que é porque na maioria das vezes eu fico sempre sozinho e não tenho amizade com muitos colegas, por isso ninguém mexe comigo. Aqui na escola eu já vi muitas brigas (a gente percebe pelo tumulto que se forma...), mas graças a Deus eu nunca participei de nenhuma delas. Já vi trocas de chutes, de socos. São cenas tristes de se ver. Eu acho muito estranho o fato do pessoal da minha idade fazer uma classificação dos colegas de acordo com suas brigas. Por exemplo: “O “Panche” é mais forte que o “Piurna”, porque os dois já brigaram e o “Panche” bateu no “Piurna”. Já o “Piurna” é mais forte que o Betim, porque o Betim apanhou do Piurna. Esses nomes são os mais citados, pois são os apelidos dos caras mais brigões da escola. Estou sentado no alambrado onde se hasteia a bandeira. Daqui avisto, róximo ao portão de entrada, o Betim e o Panche. O Panche é um menino negro que anda quase sempre com um “kichute” preto, sem meias.. Ele gosta de andar com os braços à mostra, pra impor respeito. Eu não me lembro de tê-lo visto apanhar de ninguém aqui na escola. Já vi, sim, ele quebrar os dentes de vários colegas com quem ele brigou. Ele é muito bom com os socos e bate sem dó, até arrancar sangue... É talvez o mais respeitado aqui na escola. Já o Betim é um rapaz de estatura um pouco menor que a minha. Mesmo sendo pequeno, o Betim conquistou o respeito da turma dele por estar sempre brigando, às vezes apanhando, às vezes batendo. Percebo então que o Panche e o Betim bem próximos. O “Panche” olha para mim e, na tentativa de encontrar a sua briga do dia, começa a me insultar. E aí, “Tonhão”!!!!” Ele está dizendo em tom de provocação, pois sabe que eu não gosto que me chamem por este apelido. Certo, não é um apelido feio, mas o que me irrita é o tom com que os colegas o usam. Quando penso neste apelido, eu tenho vontade de dar umas porradas no Léo, que inventou este apelido... Sabendo da fama de brigão que o Panche tem aqui na escola, eu prefiro ouvir e ficar na minha. Quando o Betim vê que eu fico quieto, ele tenta me intimidar e também começa a me chamar pelo apelido. Como costumamos dizer, “ele quer fazer moral pra cima de mim”. Então eu falo para ele parar de me chamar pelo apelido. Ele levanta o queixo e me intimida, me chamando para a briga. Pego a minha mochila e saio, para não arranjar encrenca. Eis que o Betim covardemente me empurra pelas costas. Eu dou uns dois ou três passos à frente, desequilibrado e me viro. Mal tenho tempo de me virar e me deparo com o Betim de punhos cerrados. Sem ter tempo de reagir, sinto o seu punho vir de encontro ao meu queixo. Ele bate e se afasta. Eu fico um pouco tonto. Olho ao redor e a única coisa que consigo ver são os colegas, que a esta altura já fizeram uma roda e começaram a torcer. “Vai, Tonhão!” De ímpeto, o Betim se aproxima e desfere outro soco, desta vez acertando a minha testa esquerda. Novamente eu sinto tudo rodar, mas não caio. Por uns segundos eu vejo tudo parado ao meu redor. Quando volto a mim, percebo que eu estou envolvido em uma briga e que, pelos acontecimentos, eu estou apanhando. Então eu parto para cima do Betim e o puxo pelo pescoço. Agarro-o então pela ponta da mochila e pela calça e começo a rodá-lo. E rodo, rodo, rodo... “Me solta! Me solta!”, grita ele. “Se eu te soltar, você não vai gostar!”, respondo, já nervoso. Os colegas deliram. Eu acho que o Betim deve estar se sentindo humilhado sendo exposto àquela situação. Quando começo a ficar tonto de tanto rodar o Betim, eu solto minhas mãos e o projeto uns dois metros à frente. Ele sai catando cavaco e cai de peito no gramado. Viro-me, com a sensação de ter vencido aquela briga, mas... Já de pé, o Betim reaparece e, novamente de maneira covarde, me empurra novamente pelas costas. Desta vez, porém, antes de me virar, eu vejo a inspetora correndo em direção a nós dois. “Meu Deus, eu vou pra diretoria por estar brigando!”, penso. Sem pensar duas vezes, eu começo a chorar. “Dona Marta, o Betim está me batendo!”, digo, sob soluços cinematográficos. Ela então corre em direção ao Betim e o agarra pelo ombro, desferindo-lhe vários tapas. Seguimos então, a inspetora, o Betim e eu, para a diretoria e lá permanecemos sentados no banco, aguardando a chegada da professora, a dona Dalva. Quando eu a avisto, intensifico o choro. Um tanto que comovida, ela passa a mão em minha cabeça e, em contrapartida, dá um tapa (mais um...) no ombro do Betim. “Tinha que ser você, hein, Carlos Alberto? Manda chamar a mãe dele, por favor!”, diz ela, nervosa, para a inspetora.. “Filho, você machucou? Esse aqui é bonzinho, ele deve ser inocente”, diz ela. A professora me conduz à sala de aula, enquanto o Betim fica sentado no banco da diretoria, aguardando sua mãe chegar. Neste momento uma enorme vontade de rir toma conta de mim, mas tenho que contê-la. Certo, eu posso não ser bom de briga, mas não sou bobo. Hoje o Betim pôde aprender que nem sempre quem ganha a briga é aquele que bate mais, e que ser estudioso é muito mais interessante do que ser brigão...
domingo, 10 de fevereiro de 2008
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