Maio de 1986. Tenho 10 anos. Estudo na Escola Estadual Manoel Gouveia de Lima. Estou na 4a série A, no período “da manhã”. Minha professora, a “tia” Dalva, que é minha professora desde a 3a série, também foi professora da mamãe. Sou um aluno muito comportado. Tenho boas notas, porém sou muito tímido. Quase não converso com os colegas. Acho que sou assim porque não quero tirar notas vermelhas. O papai disse que se aparecer mais notas “B” do que notas “A” no boletim, eu vou apanhar. Sendo assim, eu prefiro não conversar para prestar mais atenção na aula. Eu me sento na segunda fileira, contando da janela em direção à porta. Não gosto de me sentar lá na frente, porque eu acho que a professora poderá chamar minha atenção por mínimo que seja o deslize que eu cometer. Sendo assim, prefiro sentar mais para o fundo da classe. Por aqui há alguns alunos bem “bagunceiros”, alguns deles são até repetentes. Um deles tem um nome engraçado. Chama-se “Shershes” (nem a professora sabe escrever o nome dele direito!), mas a gente o chama pelo apelido: “Bill”. Ele é o aluno mais alto e mais velho da nossa turma. Deve ter uns 16 anos, mais ou menos. Tem cabelos loiros bem lisos, que chegam à altura dos ombros. Quando se senta e puxa a carteira em direção ao seu corpo, seus joelhos ficam mais altos do que o nível da mesa. Às vezes eu olho e fico rindo comigo mesmo, imaginando como alguém pode ser tão grande. Há também um aluno muito rebelde em nossa sala. O apelido dele é “Paçoca”. É um negro magro, com alguns dentes faltando e outros encavalados. Tem uma voz rouca e um cabelo de corte bem baixo. O “Paçoca” é o aluno mais brigão e encrenqueiro da sala. Confesso que tenho um certo medo dele, por isso prefiro ficar quieto no meu canto. Na verdade, não me lembro de ter falado com ele nenhuma vez. Prefiro assim, pois ele tem sido muito maldoso até mesmo com os colegas que conversam com ele. Embora eu tenha apenas 10 anos, eu sei dar bastante valor nas poucas coisas que eu tenho, a começar pelo material escolar. A mamãe comprou para mim um pequeno estojo de madeira, que tem mais ou menos uns 8 cm de largura por uns 20 cm de comprimento. A tampa é marrom, com algumas “rosas” estampadas. Embora eu não tenha gostado muito da tampa, por achar que aquelas rosas fossem motivo para alguém tirar o sarro, este estojo acabou se tornando a peça mais querida do meu material escolar. Em sua lateral, com todas as cores de minha “Bic 4 cores”, escrevi meu nome bem forte, para que ninguém tome o estojo de mim: "Antônio Eduardo Miller Crotti". Dentro do estojo eu guardo, com muito carinho, as minhas canetas duas "Bic Kilométricas", a azul e a vermelha, um lápis da Faber-Castell que contém tabuada, uma borracha “Mercuryo” e um apontador de metal. Quando estou com este estojo nas mãos, eu sinto como se eu e ele fôssemos um só.
Acabo de copiar o ponto que a tia Dalva passou na lousa. Guardo então as canetas “kilométricas” azul e vermelha dentro do meu querido estojo e fecho o caderno. Agora é só aguardar bem quietinho a tia nos chamar lá na frente para dar visto no "ponto" de hoje. “Antônio Eduardo”, chama ela em voz alta, após alguns minutos. Abro então o caderno brochura pequeno e sigo cuidadosamente entre as carteiras. Meus passos são leves, para não fazer muito barulho quando meus pés tocam no assoalho de madeira. Mostro então o ponto para a tia Dalva. Ela analisa cuidadosamente, lançando sobre os óculos de armação preta um olhar quase clinico. “Muito bem”, diz ela, enquanto dá o visto e anota o ponto positivo na caderneta da classe. Com a timidez de sempre, pego o caderno nas mãos e sigo de volta para minha carteira. Quando lá chego, percebo que há algo de errado... Meu estojo não está lá! “Meu Deus do céu, onde foi parar o meu estojo?”, pergunto para mim mesmo. Ouço então uma gargalhada. É o Paçoca. Ao olhar para ele, percebo que ele esta com meu estojo nas mãos. Na outra mão ele tem uma caneta Bic, com a qual ele está riscando sobre o meu nome, com tanta forca que está perfurando a madeira do meu estojo tão estimado. Desesperado, eu me esqueço do medo que tenho dele e parto pra cima dele, na tentativa de tentar recuperar o meu estojo. “Fica frio, muleque. Tá com dó do estojo, é? Isso é porque você não viu o que eu fiz com o seu caderno! Hahaha” Ao ouvir isso, um frio me percorre a coluna. Corro então para a minha carteira, em busca dos meus outros cadernos que ali permaneceram enquanto eu fui levar o caderno para a tia Dalva dar o visto. Percebo então que todos os meus cadernos estão riscados, do começo ao fim! Neste momento sinto uma raiva que eu nunca havia sentido antes. Minha respiração começa a se acelerar. Lagrimas de ódio começam a escorrer pelo meu rosto. Olho para o Paçoca, ainda rabiscando o meu estojo, já todo estragado. Ele ainda está sorrindo. Aproximo-me dele e coloco as duas mãos no estojo, para tomá-lo de suas mãos. No momento em que ele tenta resistir, eu começo a chutar com força a canela dele com o bico do meu tênis Rainha. “Ai ai ai, seu filho da p...” Ao sentir a dor na canela, o Pacoca afrouxa o estojo e eu o tomo de suas mãos. No entanto, acho que minhas bicudas em sua canela o deixaram nervoso, e ele parte pra cima de mim com toda a fúria. Sem saber me defender, eu apenas protejo a cabeça próxima aos dois cotovelos, como se estivesse aguardando os murros que ele ia dar. No entanto, ouço a voz forte e lenta do Bill, que se levanta e fica entre mim e o Paçoca. “Paçoca, larga mão, vai. Você já estragou os cadernos e os estojos dele. Ele já tá chorando. Isso vai dar rolo”, diz o Bill. “Bill, sai da minha frente. Você viu ele me chutando! Eu vou quebrar a cara dele!” Ao ouvir a confusão no fundo da sala, a tia Dalva vem correndo verificar o que aconteceu. “O que e que está acontecendo aqui, hein? Alguém pode me explicar?” O Paçoca se antecipa: "Tia, ele chutou minha canela!" Ao ouvir isso, eu intensifico o choro, na tentativa de comover a Tia Dalva. “Tia, olha o que ele fez com o meu estojo e com os meus cadernos!”, digo-lhe, mostrando os estragos feitos pelo Paçoca. Irritada, a tia Dalva desfere uns 4 ou 5 tapas no ombro do Paçoca, pega-o pelo antebraço e segue com ele para a diretoria. Ainda chateado, com o estojo todo rabiscado nas mãos, eu olho para o Bill. Ele ri e diz: "Tonhão, você me deve uma esfirra lá na cantina do Seu Tavico, hein!" Eu retribuo o sorriso. “Pode deixar, Bill. Valeu!” Afinal, se não fosse o Bill, os meus dentes neste momento estariam mais estragados que os do Paçoca...
Acabo de copiar o ponto que a tia Dalva passou na lousa. Guardo então as canetas “kilométricas” azul e vermelha dentro do meu querido estojo e fecho o caderno. Agora é só aguardar bem quietinho a tia nos chamar lá na frente para dar visto no "ponto" de hoje. “Antônio Eduardo”, chama ela em voz alta, após alguns minutos. Abro então o caderno brochura pequeno e sigo cuidadosamente entre as carteiras. Meus passos são leves, para não fazer muito barulho quando meus pés tocam no assoalho de madeira. Mostro então o ponto para a tia Dalva. Ela analisa cuidadosamente, lançando sobre os óculos de armação preta um olhar quase clinico. “Muito bem”, diz ela, enquanto dá o visto e anota o ponto positivo na caderneta da classe. Com a timidez de sempre, pego o caderno nas mãos e sigo de volta para minha carteira. Quando lá chego, percebo que há algo de errado... Meu estojo não está lá! “Meu Deus do céu, onde foi parar o meu estojo?”, pergunto para mim mesmo. Ouço então uma gargalhada. É o Paçoca. Ao olhar para ele, percebo que ele esta com meu estojo nas mãos. Na outra mão ele tem uma caneta Bic, com a qual ele está riscando sobre o meu nome, com tanta forca que está perfurando a madeira do meu estojo tão estimado. Desesperado, eu me esqueço do medo que tenho dele e parto pra cima dele, na tentativa de tentar recuperar o meu estojo. “Fica frio, muleque. Tá com dó do estojo, é? Isso é porque você não viu o que eu fiz com o seu caderno! Hahaha” Ao ouvir isso, um frio me percorre a coluna. Corro então para a minha carteira, em busca dos meus outros cadernos que ali permaneceram enquanto eu fui levar o caderno para a tia Dalva dar o visto. Percebo então que todos os meus cadernos estão riscados, do começo ao fim! Neste momento sinto uma raiva que eu nunca havia sentido antes. Minha respiração começa a se acelerar. Lagrimas de ódio começam a escorrer pelo meu rosto. Olho para o Paçoca, ainda rabiscando o meu estojo, já todo estragado. Ele ainda está sorrindo. Aproximo-me dele e coloco as duas mãos no estojo, para tomá-lo de suas mãos. No momento em que ele tenta resistir, eu começo a chutar com força a canela dele com o bico do meu tênis Rainha. “Ai ai ai, seu filho da p...” Ao sentir a dor na canela, o Pacoca afrouxa o estojo e eu o tomo de suas mãos. No entanto, acho que minhas bicudas em sua canela o deixaram nervoso, e ele parte pra cima de mim com toda a fúria. Sem saber me defender, eu apenas protejo a cabeça próxima aos dois cotovelos, como se estivesse aguardando os murros que ele ia dar. No entanto, ouço a voz forte e lenta do Bill, que se levanta e fica entre mim e o Paçoca. “Paçoca, larga mão, vai. Você já estragou os cadernos e os estojos dele. Ele já tá chorando. Isso vai dar rolo”, diz o Bill. “Bill, sai da minha frente. Você viu ele me chutando! Eu vou quebrar a cara dele!” Ao ouvir a confusão no fundo da sala, a tia Dalva vem correndo verificar o que aconteceu. “O que e que está acontecendo aqui, hein? Alguém pode me explicar?” O Paçoca se antecipa: "Tia, ele chutou minha canela!" Ao ouvir isso, eu intensifico o choro, na tentativa de comover a Tia Dalva. “Tia, olha o que ele fez com o meu estojo e com os meus cadernos!”, digo-lhe, mostrando os estragos feitos pelo Paçoca. Irritada, a tia Dalva desfere uns 4 ou 5 tapas no ombro do Paçoca, pega-o pelo antebraço e segue com ele para a diretoria. Ainda chateado, com o estojo todo rabiscado nas mãos, eu olho para o Bill. Ele ri e diz: "Tonhão, você me deve uma esfirra lá na cantina do Seu Tavico, hein!" Eu retribuo o sorriso. “Pode deixar, Bill. Valeu!” Afinal, se não fosse o Bill, os meus dentes neste momento estariam mais estragados que os do Paçoca...
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