Sexta-feira, 23 de junho de 2006. O dia está nublado, porém muito seco. Nuvens escuras de fumaça teimam em esconder o sol, mas não há previsão de chuva. A única coisa que precipita do céu é a fuligem da queima das lavouras de cana-de-açúcar. Diante deste clima, típico do inverno da região da Alta Mogiana, um clima de tristeza paira no ar. Papai, mamãe e eu estamos conversando na cozinha. A mamãe está lavando alguns pratos, o papai está me observando enquanto eu tomo o tradicional copo de leite de todas as manhãs. Há algo diferente eu seu olhar. Conhecendo-o como eu o conheço, sinto que ele está nostálgico. “Meu filho...”, diz ele, em tom pausado. “Eu pedi um filho a Deus e ele me enviou um do jeito que eu havia pedido”, desabafa, enquanto me abraça. Eu abraço o meu querido papai. Decorridas duas décadas e meia desde a surra que ele me deu, eu tenho novamente em meu pai o meu grande companheiro. Sinto ternura em seu abraço. A mamãe observa tudo e, embora nada diga, sinto que está feliz, mas não menos nostálgica. A mamãe sai em direção ao quarto, enquanto eu e o papai continuamos nossa conversa, lembrando fatos de quando eu era pequeno. Dentro de dois minutos, a mamãe retorna. De óculos, ela esvazia as mãos cheias de fotos, depositando-as sobre a mesa. “Olha, bem, que coisa mais linda que ele era. ..Como a gente gostava de você, filho!”, diz ela, emocionada. “Era, né mamãe? Agora eu fiquei feio e a senhora e o papai não gosta mais de mim, né?!”, digo, já aguardando a resposta de sempre. “Deixa de ser bobo, filho. É só um jeito de falar”. O papai passa os olhos sobre as fotos, deixando a saudade sair pelos poros a cada uma delas. “Nessa época a gente era feliz e não sabia...” “Olha, filho. Nesta foto você está com aquela fita nas mãos”, comenta a mamãe. A fita cassete a que ela se refere é bem antiga. Nela o papai havia registrado, com o uso de um gravador antigo que ele havia comprado por volta dos seus 20 anos, momentos muito especiais, como a “Fia” (minha irmã) cantando “Menina veneno”, do Ritchie, eu chorando, meus bisavós paternos conversando e, inclusive, o papai pedindo a mamãe em casamento (!!!!). “Nossa, bem... Se tivesse jeito de salvar o que tem nessa fita, né? Eu acho que de tão velha que ela é, ela não toca mais em lugar nenhum...”, diz a mamãe, com voz chorosa. “Mamãe, onde está a fita?”. Depois de alguns minutos no quarto, a mamãe volta com a tal fita. “Está aqui, filho”. Pego então a fita e me tranco no quarto. Abro o rádio toca-fitas, que nunca usei, introduzo lá a fita e aciono o mp3 player na função de gravador de voz. Meia hora depois, abro a porta. “Papai! Mamãe! Venham cá!”, digo, gritando por eles. A mamãe vem e fica aqui ao meu lado. O papai fica na varanda, sentado na cadeira. Um dos seus braços está dependurado no encosto da cadeira, enquanto o outro está com os cotovelos apoiadso na mesa e as mãos sustentando o queixo. Enquanto ouve, seus olhos estão voltados para o chão. Ele parece triste. “Ai, que saudade...”, suspira ele. No meio da fita, uma conversa da minha querida e saudosa tia Alice, que já não está mais entre nós. “Pois é, né? Olha só o que que é uma pessoa inteligente pra fazer uma coisa dessas!”, diz ela ao meu bisavô, referindo-se ao gravador que o papai estava usando na época. Passados quase 30 anos, cá estou com um mp3 player do tamanho de uma caixa de palito de dentes, seguindo o caminho de meu pai: registrando as passagens para lembrar daqui há vários anos. De repente, dou-me conta que meus avós também não estarão aqui daqui a algum tempo. É, papai, eu entendo quais são os motivos de sua tristeza...
domingo, 10 de fevereiro de 2008
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