domingo, 10 de fevereiro de 2008

Lembranças do almoxarifado - parte 1

26 de novembro de 1996. Hoje faz um mês que fui contratado para trabalhar aqui no Almoxarifado Agrícola da Usina Alta Mogiana. Como almoxarife, minha função é servir os mecânicos da oficina e todos aqueles que apareçam no balcão com uma requisição de material. Aqui neste setor ficam armazenadas peças para caminhões, carros, tratores, reboques canavieiros, tratores, colhedeiras de cana, máquinas de esteira, bombas de veneno, grades niveladoras. Também armazenamos material de limpeza, tintas, mangueiras e uma grande variedade de materiais. É tanta mercadoria que o espaço acaba sendo pequeno demais... O ambiente físico aqui não é dos mais aconchegantes. O telhado é constituído de folhas do tipo Eternit, o que torna o ambiente aqui dentro um verdadeiro forno. As paredes são feitas de placa de madeira prensada, a que eles chamam de “folhas de madeirite”. O chão, por sua vez, é feito de concreto bruto, mas a quantidade de poeira depositada sobre ele é tão grande que nem mesmo o “seu Boné”, nosso faxineiro, consegue eliminá-la com a água que sai de seu regador verde. A poeira que se levanta do chão quando passamos acaba se depositando sobre as peças que se encontram sobre as prateleiras, tornando o ambiente nada propício para quem sofre de rinite alérgica, como eu. Aliás, tive que esconder este meu pequeno problema de saúde do médico que me examinou para que eu fosse admitido; caso contrário não seria contratado. Sim, eu preciso muito deste emprego para pagar o curso de graduação em Química. Desde que assumi a função aqui no almoxarifado agrícola, minha rotina tem sido bastante cansativa. Acordo às 6h, entro no ônibus às 6h30min e só desço do mesmo ônibus às 17h30min. Desde o momento em que desço do ônibus da empresa até o momento em que entro no ônibus da universidade, são decorridos aproximadamente 30min. Este é o tempo que tenho para tomar banho e alimentar-me. Sim, é um tempo curto demais para que eu consiga esvaziar um prato de comida. Ao invés de tentar e fracassar, e ainda correr o risco de ter uma congestão, prefiro comer uma torrada com “catchup” ou um pão com presunto e queijo. Quando chego em casa de volta da universidade, o relógio de pêndulo na parede da sala, herança de meus bisavós, bate 23h40min. Já é tarde. Estou muito cansado. Mas não posso dormir. Tenho que estudar. Enquanto tomo um copo de leite com café e açúcar, escovo os dentes e visto o pijama, passam-se 20 min. Assim que abro o caderno, o relógio dá doze badaladas da meia noite. “Agora eu vou trabalhar para mim”, penso. Mas cadê o ânimo? Tento ler o texto mas está difícil. Os olhos acabam se fechando antes do final de cada frase. Procuro, então, reescrever o que estou lendo. Eis que me flagro escrevendo há quase 3 min no mesmo lugar... A ponta da caneta já está quase rabiscando a mesa, do outro lado da folha de papel. Levanto-me. Dirijo-me ao banheiro; molho as mãos com a água gelada da torneira e fricciono as mãos contra o rosto, na tentativa de espantar o sono. Já se passaram quase 30min e eu não consegui sequer começar a estudar. Quando retorno à mesa, o sono se vai. O relógio da cozinha são 0h30min. Agora sim! Lembro-me, então, de cada palavra que meu pai me disse há um mês atrás, quando consegui este emprego. “Filho, até hoje você só estudou. Sempre viveu para estudar e sempre teve boas notas. Mas agora é diferente. Agora você vai trabalhar e estudar”. E colocando as mãos sobre meus ombros, ele pronunciou o estímulo que eu precisava para passar as madrugadas estudando: “Agora sim eu quero ver se você é mesmo “macho” pra manter essas notas!” Respiro fundo. Esboço um sorriso de canto de boca. “Pode deixar, papai”, penso. Sim, esta madrugada vai ser curta demais para mim...

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