Janeiro de 1987. Tenho 11 anos. Estou em frente à casa do Adriano, a quem apelidamos de “Saracura”. Ele é mais ou menos do meu tamanho, embora tenha nascido uns dois ou três anos antes de mim. O que chama a atenção no Saracura é o cabelo, cortado na forma de tijela-e-franja, e os dentes dele. Ele usa aparelho do tipo “freio de burro”. Mas o que mais admiro no Saracura é a bicicleta dele. É uma Triunfo T-47 Tigre, nas cores branco e vermelho. O banco é longo, podendo caber perfeitamente duas pessoas bem acomodadas. O peso destas pessoas pode ser aliviado pelos amortecedores traseiros. O freio (privilégio da roda traseira) é a disco, parecido com o das motos. Sempre notei o quanto ele gosta de sua Triunfo e do quanto ele se diverte saltando em cima do banco e sentindo o impacto da queda sendo devolvido pelos amortecedores. Foi justamente por isso que pedi de presente para o papai uma bicicleta igualzinha, inclusive na cor! No dia em que ganhei a minha “Triunfo”, lembro-me de ter chegado da escola e ter ouvido a mamãe dizer-me que tinha uma surpresa para mim. Ao entrar no quarto, lá estava a tão desejada bicicleta! O papai, que deve ter ficado escondido para ver minha reação, apareceu dizendo que já a tinha polido com cera Grand Prix. Como eu não sabia andar de bicicleta, o papai teve que comprá-la já devidamente equipada com as rodinhas. Contudo, eu nem me preocupava se ia aprender ou não. Eu estava preocupado mesmo era com os amortecedores dela! Entretanto, para meu desapontamento, notei que eles estavam duros. O papai explicou que estavam duros porque ainda não estavam amaciados. No auge da minha esperteza, pedi para o papai ficar pulando em cima do banco até que os amortecedores estivessem, finalmente, “amaciados”. Já no primeiro pulo que o papai dei reparei que a roda foi para um lado e o pára-lama foi para o outro. Pronto! Minha “Triunfo” estava desalinhada, provavelmente para o resto da vida! Pois bem. Neste momento, o Saracura está menosprezando a minha justamente por causa deste alinhamento. Obviamente, eu não estou gostando nada do que ele está dizendo. “Eu não troco a minha bicicleta pela sua. Não importa que é mais nova. Ela está toda desalinhada!”. Já no limite de minha paciência, monto em minha “Triunfo” e sigo em direção à rua São Paulo. Desço, então, em disparada. A rua termina em uma chácara, mas eu não pretendo ir até lá. Virarei à esquerda, em direção à rua Sergipe. Aos poucos vou notando que a bicicleta vai ganhando velocidade muito rápido, mas minha raiva me impede de pensar com lógica neste momento. “Vou virar a esquina sem brecar”, penso. Por poucos segundos eu desfruto da deliciosa sensação de sentir o vento batendo em meu rosto com força, projetando o topete para trás. Mas a sensação dura pouco e é chegada a hora de dobrar a esquina. Decido a não brecar, eu tento fazer a curva. Mas... não consigo. A bicicleta, já fora de controle, segue em direção à sarjeta. No momento em que a roda da frente encosta na sarjeta, sou projetado à frente, por cima do guidão, indo colidir com uma árvore de tamanho pequeno, ainda em formação. Caio em cima de sua copa e saio “catando cavacos”. Após deslizar pela calçada, deixando pedaços de pele espalhados pelo cimento, sinto-me mais assustado do que com raiva. O balanço da situação não é nada bom: os dois joelhos ralados e sangrando; queixo ralado; punho esquerdo ralado. Mas sabem o que está doendo mesmo? É ver minha “Triunfo” ali, tão nova, com o pára-lama dianteiro quebrado. Isto, sim, é doloroso! Não consigo conter as lágrimas...Eu quero a mamãe!!!
domingo, 10 de fevereiro de 2008
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