Segunda-feira, 19 de junho de 2006. 11h33min. Estou caminhando em direção à última sala do pavilhão. Lá estudam os alunos da 3ª. Série do ensino médio. O tempo de percurso é muito curto. Por isso, meus olhos percorrem o ambiente com uma certa ansiedade, como se precisassem fazê-lo dentro de um prazo estipulado. Ao longo do pavilhão existem vários coqueiros, que parecem estar sufocados devido ao chão de cimento que os rodeiam por todos os lados. As paredes estão pintadas em azul escuro até a altura de 1,50m, e de bege acima desta altura. A pintura do interior das salas de aula obedece ao mesmo padrão, diferindo apenas na tonalidade (mais clara, obviamente). Por causa de alguns vazamentos, o forro de madeira de algumas salas está apodrecendo. Não há cortinas na maioria das salas. Há, ainda, um único ventilador de teto, o que torna a situação altamente desconfortável para todos no verão. Aos olhos de professores que já passaram por aquela escola, as instalações são horríveis e os alunos são “manos”. Eu os entendo e não os repreendo, nem tampouco espero convencê-los que estejam errados. Na maioria das vezes, o fracasso que enxergamos ao nosso redor é fruto de nossas frustrações pessoais. Mas esta não é uma simples escola; é a escola onde eu leciono. E isso tem um significado maior do que qualquer pessoa pode imaginar. Afinal, é aqui onde estou tentando realizar o meu sonho de, um dia, ser um professor. À medida que meus olhos varrem as paredes recentemente pintadas, porém já repletas de marcas de tênis de alunos e rabiscos, trazendo consigo uma visão de um lugar cada vez mais familiar, eu vou me aproximando do meu destino. Lá, à porta da sala, muitos estão me aguardando. Outros alunos, por causa do frio, saem à procura de um pouco de sol. Parado à entrada da sala, eu aguardo os que estão foram passarem. “E aí, fessor, beleza?”, cumprimentam, fazendo um sinal positivo com a mão. “Firmeza!”, respondo. “Bom dia, bom dia!”, digo. Puxo então a cadeira para sentar, mas... “Gente, sexta-feira foi aniversário do professor. Vamos cantar parabéns?”. E tome “parabéns a você...” Não, eu estou muito longe de estar nervoso pela “arruaça” que está se formando. Muito pelo contrário! Estou rindo. Afinal, foi a única sala que se lembrou daquela data. Estou rindo, mas imagino que estejatambém vermelho. Maldita timidez! “...nesta data querida...” Enquanto batem palmas, corro os olhos por cada um deles. Todos estão de camisa verde, com os dizeres “Decolando para o futuro” e "Quem acredita sempre alcança!", estampados na parte frontal da camiseta. “...muitas felicidades...” Não, eu ainda não me acostumei a estas demonstrações de carinho espontâneas e desinteressadas. Por todos os lugares que passei durante estes recém-completos 30 anos de existência, eu jamais havia sido alvo de manifestações coletivas de afeto como as que eu tenho presenciado nesta escola."...muitos anos de vida.” Nas raras vezes em que vi algo similar, eu sentia que havia uma gama de interesses envolvidos e que cada sorriso distribuído seria cobrado depois, como se cada um dos dentes mostrados trouxesse consigo uma cárie de fingimento, cinismo, falsidade e egoísmo. Talvez seja por isso eu tenha, de certa forma, "endurecido" meu coração. Meu Deus, onde foi parar a inocência e a pureza dos sentimentos daquelas pessoas? Será que a inocência a que me refiro é abandonada pelos alunos quando eles concluem o ensino médio? Será que a destes alunos também ficará aqui? Será que estes alunos serão novas vítimas do consumismo e do mundo-cão que existe lá fora e deixarão seus corações serem tomados pela frieza e pelo calculismo do mundo lá de fora destas paredes? A esta altura, eu me flagro olhando para o chão. Meu pensamento está longe dali, perdido entre as idéias que tanto me incomodam. O motivo? Simples: qual será a importância de uma universidade pública em minha vida? Compensaria realmente trocar este ambiente de inocência, ingenuidade e pureza pelo ambiente “carregado” e cheio de intrigas, fingimento e de política, que me parecem ser tão constantes em uma universidade pública? Ao terminar os “parabéns”, uma das alunas toma a palavra e diz: “Professor querido, o senhor mora no meu coração! Que o senhor tenha sempre muita saúde, porque eu te adoro!”, diz uma aluna que sempre corre para me recepcionar com um abraço. Totalmente desconcertado, deixo escapar um sorriso envergonhado e a agradeço. Uma outra aluna diz: “Professor, jamais me esquecerei de você!” Agradeço-lhes pelas frases gentis e me levanto. Giz em mãos, viro-me para a lousa. Quando giz e lousa se encontram, um sorriso brota em meu rosto. Acho que já encontrei a resposta para as minhas indagações...
domingo, 10 de fevereiro de 2008
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